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10 outubro 2011

LEVANTA A MÃO QUEM TEM MEDO DA SEXUALIDADE FEMININA


Por Lola Aronovich do Blog escrevalolaescreva

Bruno, mais um que não quer se responsabilizar pelo que diz

Não ia escrever nada a respeito porque estou completamente sem tempo, porque não tenho que escrever sobre tudo, e porque — achava eu — já tinha mostrado minha indignação no Twitter. Mas as coisas não funcionam assim. Tá cheio de gente que lê meu blog mas não lê meu Twitter, e vice versa. E tem gente que me segue no Twitter mas também não lê meus tweets, ha ha. Compreendo: eu também não leio todos os tweets de todo mundo que eu sigo. Mas também não fico perguntando “Você não vai falar sobre [inclua aqui o tópico da moda]?”. 
Então durante a semana tem chegado vários emails, tweets, e um ou outro comentário off-topic no blog pedindo pra eu comentar o caso Marrone. Quer dizer, é o Bruno, da ex-dupla Bruno e Marrone. Pra mim dá na mesma, porque felizmente só ouvi falar desse povo pelo nome. E gente, desculpa o preconceito, mas se tem uma coisa que não faço questão de disfarçar é meu desprezo por tudo que é sertanejo (se bem que um colega meu, professor na UFC, se identifica como sertanejo: ele nasceu no sertão pobre do Ceará e ficou lá com sua família de lavradores até chegar à idade adulta e se mudar pruma cidade grande; obviamente não tenho nada contra ele nem sua família).. Bom, dizem que os sertanejos de verdade são diferentes, que são essesneosertanejos que são uma desgraça, porque copiam o countryamericano. Mas eu sou uma pessoa urbana, e não encontro ponto de afinidade com essa cultura (que, eu sei, é variada). Odeio praticamente tudo que seja sertanejo — os valores, as roupas, o gosto por rodeios, o machismo... E pra piorar eu me lembro de como, na campanha política em que mais me envolvi na vida, a de 1989, todas as duplas neosertanejas apoiraram publicamente o Collor. E nenhuma pediu desculpa depois.
Bom, esse tal de Bruno, durante um show em San Francisco, Califórnia, no final de setembro, começou a fazer gracinhas e provocações com seu público (ao que parece, eminentemente feminino). Ainda bem que olink pra este vídeo tem legenda, porque a qualidade do som é parecida ao talento que esses cantores têm pra música.
Primeiro Bruno manifesta seus valores sobre o que é casamento pro homem: “Ele quer prender aquela mulher pro resto da vida. Ele quer segurar ela em casa pra lavar a roupa dele, pra fazer comida pra ele, pra ela limpar a casa... Pra sair tarde com os amigos e chegar bêbado em casa... Ela deitada...” 
No vídeo, as fãs gritam, riem, mas também vaiam e fazem “não” com as mãos. Não vou tentar defender mulheres que, numa cidade com tantas opções de lazer como San Francisco, pagampra ver show de cantor sertanejo. 
Empolgado com a recepção, Bruno continua: “Lá no Brasil tem muitos rios maravilhosos para pescar. E lá tem cada peixão, aqueles peixão com rabão bonito, do rabão grande. E lá tem muito pirarucu. Tem pacu. Tem piranha. E lá tá tendo muita piranha. Olha, lá tem tanta piranha que tá faltando jacaré para comer as piranhas, acredita? Verdade! A população de piranhas cresceu demais, viu, São Francisco? As únicas piranhas que saíram de lá vieram morar nos Estados Unidos. É o contrário, gente, as piranhas que não eram piranhas, elas vieram morar aqui, é que estou falando. Aí cê sabe, vira uma, vira uma porcaria danada, porque vira uma brigaiada danada. [Depois de cantar — o vídeo edita essa parte, graças aos céus:] Tirando as piranhas levanta a mão quem goooostou!
Depois da repercussão negativa — bom saber que chamar brasileiras de piranhas não passa mais desapercebido — Bruno pediu perdão no Facebook. Quer dizer, mais ou menos: “Com todo o respeito, é de lamentar como tem gente com o coração tão maldoso neste mundo. Mesmo assim, novamente, peço desculpa”. Ah, o problema de chamar mulher de piranha é da gente com o coração maldoso! Quem rotula a sexualidade da mulher dessa forma é que tem um coração puro! 
Pra ser franca, nunca entendi a ofensa piranha. Piranha uma dascentenas de palavras usadas pra condenar a sexualidade feminina, certo? É usado pra falar de uma mulher promíscua. Mas piranha é um bicho cheio de dentes, igualzinho à.... vagina dentata, esse mito que se refere a uma fantasia de terror masculina. Nessa fantasia, a vagina se transforma numa boca cheia de dentes e devora a parte tida como mais importante da anatomia masculina. Segundoa Wikipedia em português (que, curiosamente, traz mais sobre o mito que seu correspondente em inglês), o mito da vagina dentata está presente em muitas culturas. Numa dessas culturas, “um peixe habita a vagina da Mãe Terrível; o herói é o homem que vencer a Mãe Terrível, quebrar os dentes da sua vagina, e então torná-la uma mulher”. A Wiki também menciona a dinâmica que é o pênis, numa relação sexual, entrar triunfal e sair diminuído. Como nossa sociedade é tão falocêntrica que adora cometer a sinédoque de achar que o pênis é o homem e a vagina é a mulher, fica a pergunta: será que os homens também se sentem diminuídos após o sexo, ainda mais com uma mulher que não lhes deu a "devida" exclusividade? 
Não sei, só sei que fica estranho chamar uma mulher pelo termo piranha, que representa o medo primitivo e irracional que um homem tem da sexualidade feminina. É um atestado de burrice. É dizer, na cara dura, que o cara tem medo de uma mulher abertamente sexual, de uma mulher devoradora de homens, que os come pro café da manhã. Porque quem come deve ser o homem! O papel de predador cabe ao macho! Deus quis assim! É assim que as coisas são e sempre serão! 
Aff. Homens que têm fixação pelo pênis obviamente são obcecados pelo tema da castração. Logo, eles creem que existe uma conspiração feminina pra castrar os homens. Mães são castradoras, mulheres promíscuas são castradoras, e melhor nem falar das feministas, essas lésbicas peludas e bigodudas que têm como objetivo único na vida castrar todos os homens, desta vez literalmente. Ouch!
Outros termos animais pra insultar a sexualidade da mulher são vaca e galinha. Vaca alude à passividade, mas e galinha? O lado bom de ser uma pessoa urbana é que nem todas as minhas alusões vêm de animais. Eu nunca chamei mulher de piranhavaca ou galinha, mas também nunca usei gato ou cachorro pra me referir a um homem. Estou tentando largar termos como burro, asno e anta, porque burros e asnos e antas não têm nada a ver com a estupidez humana. Suponho que usar animais pra insultar humanos deva ser algo universal, próprio do nossocondicionamento especistade achar que somos os reis do universo. Se vemos animais como inferiores, vamos usá-los também pra ofender os humanos de que não gostamos. Mas há humanos que gostamos ainda menos que outros, não? Há, sim: as mulheres. Não precisamos nem transar pra sermos chamadas de piranhasvacas e galinhas. Basta existir.